Mark Lanegan + Simon Bonney @ Hard Club

A noite começou com Simon Bonney. O artista que provavelmente será mais conhecido por ser a pedra basilar dos Crime & the City Solution, veio acompanhado com a sua esposa, Bronwyn Adams, membro da mesma banda.

Simon Bonney é uma pessoa extremamente interessante. Profissionalmente, não se identifica necessariamente como músico, ainda que tenha já mais de 40 anos de carreira. O seu trabalho é antes o de gerir fundos de desenvolvimento para várias ONGs.

Para muitos músicos, o seu trabalho poderá não dizer muito. No caso do músico australiano, simplesmente o facto de ter um trabalho já diz tudo. A sua abordagem—tal como a de Bronwyn Adams—é quase amadora, no melhor dos sentidos. Não há pressão, não há pretensão. Parece nem haver muita preparação, com Bronwyn a pedir contagens e a perguntar o que vem a seguir a meio da performance.

Para algumas pessoas esta abordagem será refrescante, para outras frustrante. Se o objetivo fosse ouvir uma versão de estúdio em pessoa, como muitas vezes se ouve a falar, aqui não teria sorte. Ambos cantam fora do microfone. O arco do violino cai a meio do clímax da música. O metrónomo é errático, arrastando-se ou apressando-se consoante o que Simon tem de cantar.

Só no final do concerto é que a sala se começa a compor realmente. Está a chegar a hora anunciada do concerto de Mark Lanegan, onde muito dificilmente se encontravam os nomes das bandas de abertura.

Supostamente haveria uma segunda banda de abertura. É tudo o que sabemos quanto à banda que nunca chegou a subir a palco.

A maioria da sala compõe-se enquanto o palco é preparado, com uma sala já bastante ocupada quando Mark Lanegan e companhia sobem a palco.

Queens of the Stone Age, Dead Combo (RIP), Moby, UNKLE, Earth… Estes são só alguns dos nomes com que Mark Lanegan colaborou nos últimos 10 anos, numa década em que as tendências colaborativas se intensificaram. No entanto, não é por isso que Mark Lanegan descura os seus próprios álbuns de estúdio. A última década tem sido o seu período mais prolífico, culminando em Somebody’s Knocking, de 2019.

O último álbum dominou uma setlist com mais de 20 músicas. Entre a apresentação do novo álbum, uma cover de The Twilight Singers, e visitas a diferentes pontos de uma carreira já com mais de 3 décadas, foi uma setlist com a abordagem típica de Mark Lanegan—a seu tempo, perturba e apazigua, quase sempre na altura certa.

Infelizmente, a voz do artista de Washington, que normalmente domina as músicas, estava um pouco baixa de mais. Principalmente em músicas com uma vertente ao vivo mais eletrónica, como “Ode to Sad Disco” ou “Dark Disco Jag”, a voz muito característica de Mark Lanegan perdeu-se pelo meio das drum machines e dos sintetizadores.

Em “Deepest Shade”, a tal cover de The Twilight Singers, com um maior foco nas teclas e na guitarra, a sua voz soa como uma serenata à escuridão, numa das poucas alturas em que se sente que o concerto atinge o seu potencial.

O público está feliz, Mark Lanegan está no palco. No entanto, não deixa de ficar a ideia de que poderia ter sido mais. Este sentimento acaba por ser justficado, em retrospectiva claro está, nas músicas “Burning Jacob’s Ladder” e “Night Flight to Kabul”, por razões completamente opostas. Enquanto a primeira, pela sua simplicidade instrumental, permite que a voz domine o tema, a segunda, por ser mais naturalmente energética, permite a Mark levantar a voz e tomar controlo à força—algo que faltou em muitas músicas.

Ao longo do concerto, a banda pareceu desprender-se das amarras com que subiu ao palco. Se no início, como em “Disbelief Suspension”, uma música que facilmente se adivinharia divertida para as guitarras em palco, parecia que havia uma preocupação demasiado grande em manter a simplicidade do estúdio, no fim do set previsto, com “Death Trip to Tulsa”, há já alguma improvisação e criatividade a fluir livremente.

Depois de um número considerável do público se começar a ir embora, Mark Lanegan volta ao palco. De cigarro na boca, dá mais um trago da terceira lata de Red Bull, antes de fechar com “Come to Me” e “The Killing Season”.

Happy Halloween

Texto para festivais.pt
Fotografia por João Pedreda