Luís Carvalhal nunca soube o que queria fazer da vida. Estudou Engenharia, Arquitetura, Animação e Modelação 3D, e trabalhou em multimédia e web design antes de encontrar o Instituto Português de Fotografia em 2002. Tirou o Curso Profissional de Fotografia em 2002-2004 e, no ano seguinte, já fazia parte do corpo docente – primeiro a lecionar Laboratório Digital, mais tarde Fotografia, Organização e Métodos, PFA e Edição.
No final de 2020, três anos depois de “Celebration in Darkness”, lançou “Toma Esta Valsa com a Boca Fechada”. Um livro sobre “uma crise de meia-idade cliché”, nas palavras do próprio.
O título do livro é inspirado pelo poema “Pequeño Vals Vienés” de Federico García Lorca (Poeta en Nueva York, 1940) e dá o mote ao livro. O surrealismo de García Lorca contrasta com as fotografias – todas elas retratam situações pelas quais passamos na nossa vida. Mas o poema e o livro têm um efeito semelhante quanto à relação entre narrativa e interpretação.
Ambos procuram evocar emoções viscerais sem demasiada preocupação quanto à sua completa compreensão. O livro apenas tem texto no início e no fim, “sem levar as pessoas a perceber demasiado sobre o trabalho”.
Um livro íntimo, “Toma Esta Valsa com a Boca Fechada” é o processo de catarse de uma crise de meia-idade que culmina próximo da pandemia. Com fotografias de abril 2019 a fevereiro 2020, não há máscaras à vista. Mas é igualmente atual sem elas, com a sua representação da insatisfação e do isolamento que marcou muito do ano 2020.
A pandemia, embora não esteja visualmente presente no livro, é ainda uma grande parte. Para além das relações temáticas, é também a causa maior do livro:
“O livro aparece pura e simplesmente por causa da pandemia. Eu nunca teria tido tempo para fazer estes projetos que estou a pôr em papel.”
Estas imagens, quando criadas, não tinham ainda o propósito de dar em livro. Por essa razão, permitem um olhar ao trabalho de Luís Carvalhal na sua vertente mais pessoal e diarística:
“Em cada projeto adapto o que eu gosto de ver a uma linguagem. Gosto de variar. Tal como nunca soube o que queria fazer também nunca soube qual é o meu estilo fotográfico – nem quero saber! Este livro é talvez o livro que mostra mais do que fotografo no dia-a-dia.”
Essa abordagem à linguagem fotográfica é parte de um maior tema no trabalho e na vida de Luís Carvalhal. Luís gosta de abraçar o acaso, num processo muito intuitivo, quando o trabalho o permite:
“Eu aproveito aquilo que me vai passando à frente e saber agarrar oportunidades para fazer coisas diferentes. Nunca foram procuras conscientes. Eu meti-me na fotografia por acaso, meti-me a dar aulas por acaso, meti-me no design gráfico por acaso… Portanto as minhas opções de dispersão surgiram sempre de fazer alguma coisa diferente a aproveitar a oportunidade para agarrá-las e fazê-las.”
Esta dispersão passa então a fazer parte também do seu trabalho. A abordagem deixa de ser baseada apenas na perspetiva da área em questão mas também com toda a experiência em outras áreas:
“Eu quando comecei a fotografar era extremamente geométrico. Era muito exercício de composição que já vinha da influência do design, do 3D, da arquitetura… Muitas linhas, muito rigor.”
Esta dispersão e amor pelo acaso não impedem a repetição de temas. Há vários que se repetem ao longo do livro: pessoas de costas, lixo, objetos abandonados, sinais de uso e do tempo que passou. São “fetiches” do autor, identificados através de um processo vital para qualquer fotógrafo:
“O processo de descoberta tem tudo a ver com algo de que eu falo imenso nas aulas: desenvolver a capacidade de autocrítica. Em vez de apenas fotografar e olhar para as fotografias e dizer “gosto desta, não gosto desta”, é olhar para as fotografias e perguntar porquê. “Porque é que eu olhei para isto? Porque é que eu fotografei isto desta maneira?” É procurar linhas comuns, procurar elementos que se cruzam, elementos que se atravessam ao longo do tempo nas nossas imagens pessoais, naquilo que fotografamos por instinto.”
E este livro é uma coleção dessas capturas por instinto:
“Isto é um diário. É um diário de 10 meses que são o culminar de uma crise de meia-idade. Desde os 45 comecei a sentir algo que nunca tinha sentido antes – o peso da idade. Olhar para mim próprio e pôr tudo em causa e com imensas dúvidas quanto ao futuro. Será que estou a fazer aquilo de que gosto? Problemas com família… rumo profissional… problemas pessoais, relações acabadas, …”
E por causa do contexto da crise de meia-idade, estes instintos acabam por ser relacionados com a necessidade de lidar com as dúvidas e com esses problemas:
“Não é dramático. Mas ali, nos 45, foi a primeira vez que comecei a sentir o peso da idade. Não me sinto com 50 anos, mas de repente comecei a pôr tudo em causa. Estas imagens são basicamente eu a tentar fugir da crise de meia-idade, da depressão. Estava a entrar numa fase muito complicada de pensar demasiado e fazer pouco. Estas fotografias são um escape. Eu nunca viajei tanto como no ano passado, antes da pandemia.”
Depois deste escape, “Toma Esta Valsa com a Boca Fechada” é o confronto direto com a crise. O livro está disponível através deste link. Recentemente, ainda com uma abordagem diarística já durante a pandemia, Luís criou em conjunto com outros seis fotógrafos o livro “Diário de Confinamento”. O livro está disponível através deste link.
Na calha estão atualmente “6 ou 7 projetos com imagens captadas ao longo dos últimos 7 anos que ficaram na gaveta e querem agora ver a luz do dia”, incluindo a segunda e terceira parte da trilogia das ilhas. A primeira (já lançada) sobre a Islândia, as seguintes sobre São Miguel (um trabalho que deverá ser publicado no primeiro trimestre de 2021) e o Japão (a publicar no final de 2021).
Para mais informações sobre o trabalho de Luís Carvalhal, visite www.luiscarvalhal.net e www.parallelsymbols.com.
Texto para o Instituto Português de Fotografia
Fotografias de Luís Carvalhal