Uma Relação a Dois, num Mundo de Muitos: Senso Comum de Céu Guarda

O mote da segunda edição da Bienal de Fotografia do Porto é “O que Acontece com o Mundo Acontece Connosco”. O evento junta 46 artistas e 16 curadores, e apresenta 19 propostas expositivas para refletir sobre o regime de interdependência absoluta entre os sistemas naturais e humanos. Céu Guarda apresenta “Senso Comum” com curadoria de The Cave Photography, onde explora imaginar, abrir e fechar caminhos entre as ilhas que são os nossos mundos.

Céu Guarda estudou Fotografia e Pintura na AR.CO e na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, trabalhando também com vídeo. A imprensa escrita apareceu na sua vida “por acaso”, e depois de uma primeira experiência como ilustradora, focou-se na fotografia. Foi fotógrafa residente do Jornal O Independente, fundadora e Editora de Fotografia do Jornal i, e co-fundou o coletivo Kameraphoto e a KGaleria, entre outros tantos pontos nos seus mais de 30 anos de carreira.

Senso Comum parte destas três décadas de carreira, sendo uma uma exposição a partir de arquivo. O trabalho fotográfico desenvolvido no âmbito jornalístico estará presente, de forma invariável, mas não é central à exposição. Em termos conceptuais, e com o benefício da retrospetiva, é fácil perceber o impacto da experiência jornalística.

Nos anos 90, Céu Guarda viajou ao serviço do Jornal O Independente. Teve a oportunidade de cobrir locais pós-conflito como Bósnia, Eritreia, e Angola, numa altura de “suposta paz”. Estas experiências, numa altura em que o uso da Internet não era generalizado e em que o preço das viagens era muitas vezes proibitivo, começaram um processo de compreensão que vai de certa forma desaguar a Senso Comum.

“As viagens permitiram-me perceber que não sabemos nada sobre o mundo”, conta Céu Guarda. “Mesmo que pensemos que conhecemos muito bem, mesmo no mundo do jornalismo em que há um conhecimento diferente quando estamos a trabalhar, há uma coisa essencial: não percebemos as ilhas dos outros, não percebemos os mundos dos outros. Mas temos essa pretensão.”

Senso Comum Ceu Guarda 3 | João Pedreda

E com um mundo cada vez mais globalizado e com um superávit de dados, esta pretensão apenas se fortificou e generalizou. Podemos ver virtualmente qualquer lugar do mundo online, as viagens (pré-pandemia, claro) eram fáceis, convenientes, e baratas. Existem inúmeras aplicações para aprender outras línguas, para traduzir outras línguas, para facilitar a compreensão dos “outros mundos”. Mas Céu acredita que pouco mudou, quanto ao cerne da questão:

“Ficamos a conhecer um bocadinho, mas depois não há essa sinopse, essa relação. Não se faz essa relação entre o nosso mundo e o dos outros. Apesar da globalização, o mundo vive em ilhas fechadas. Essas ilhas são muito difíceis de se relacionar porque têm culturas diferentes. O meu trabalho fotográfico parte muito disto, deste pressuposto.”

O interesse em aproximar os mundos reside inevitavelmente nas pessoas. O objetivo é chegar às pessoas. Através de mundos, culturas, lugares, chegar às pessoas. Senso Comum divide-se entre pessoas e lugares:

“A exposição vai ter muito a ver com as pessoas que passaram por mim, que eu fui conhecendo. Algumas que ficaram outras que só passaram por mim.”

Senso Comum é uma reflexão sobre uma relação a dois contextualizada num mundo de muitos. Nesta exposição, Céu Guarda procura refletir “como foi evoluindo e como é que o mundo foi evoluindo, através das imagens”. Como é que o mundo foi evoluindo para Céu Guarda, porque isto é “sempre uma relação a dois”, partindo do seu arquivo.

Quanto a esta ideia de arquivo, está claro que não há falta de fotografias. O número de fotos tiradas a cada ano tem vindo a aumentar, fruto da crescente acessibilidade de smartphones e das câmeras digitais. A preocupação nasce como extensão das tendências de digitalização e imaterialidade. A cloud, as nossas bibliotecas, as nossas coleções de música, os nossos jogos, os nossos filmes, etc… Tudo está “guardado” num servidor remoto. Mas quais são as implicações dessa estrutura quanto aos arquivos?

E embora Senso Comum seja um trabalho feito a partir de fotografia de arquivo, não é uma tentativa de fazer um trabalho de arquivo. Tampouco é um trabalho de retrospectiva de carreira. É principalmente um trabalho de abordagem autoral, onde a relação entre os nossos mundos é explorada.

Senso Comum abre no dia 14 de Maio, na The Cave Photography, e a exposição ficará patente até ao dia 27 de Junho.

Poderá ler mais sobre a exposição no site da Bienal de Fotografia do Porto, no site da The Cave Photography. Poderá também ver alguns exemplos do trabalho de Céu Guarda no seu Behance.

Texto para o Instituto Português de Fotografia
Fotografias de Céu Guarda